1.1.07

só o guga nos salva


Por Marcelo Mirisola

O que os heróis olímpicos brasileiros têm a nos oferecer? Rodrigão é o mais alto. Daiane a mais baixa, Torben Grael o mais velho, Jeniffer (com dois “efes”) a mais nova. O mais pesado é o judoca Daniel Hernandes e a mais leve, Lais Souza, sua modalidade é a ginástica artística.
O homem mais alto da delegação brasileira dá porradas numa bola, faz o bloqueio e deve ser o orgulho de Dona mamãe babona e do seu... sei lá, Laércio: que vibra deslumbrado defronte à tevê. Alguma coisa assim, típica. Podíamos incluir mulher, filho recém-nascido, irmãs e cunhadas, todos uniformizados e apatetados interagindo em figas e correntes positivas. A avó Maria prefere rezar no quarto. O Vôlei é ouuuuuro! Daiane é a garota humilde que salta o duplo tuíste carpado (é assim que se escreve?) e veio lá do Rio Grande do Sul. O joelho da menina que curte Daniela Mercury é, hoje, a grande preocupação de 170 milhões de brasileiros. Incluindo dona Marisa Letícia.
As entrevistas de Daiane, que venceu os preconceitos e superou os próprios limites, são as mais concorridas. Ela é um fenômeno que os cientistas ainda não conseguiram decifrar.
Sarah, a macaca do zoológico de Tel Aviv – que resolveu andar sobre as duas patas – intriga os cientistas. Mas o engraçado é que ninguém se espanta com os lutadores de luta greco-romana, nem com os judocas peso-pesados. Que são especialistas em ficar de quatro, eles e a comissão técnica e o Galvão Bueno, todos uivam e batem no peito feito orangotangos. O que essa gente que corre, pula, chuta bolas, nada e ganha medalhas, tem de tão especial?
O espantoso não é a macaca israelense que resolveu andar feito uma atleta olímpica, mas os atletas olímpicos que ficam de quatro e ganham medalhas. A cigarrinha-da-espuma também “desafia os próprios limites” e é muito mais surpreendente do que qualquer Oscar Schmidt. Uma vez já escrevi sobre isso. Mas vou repetir porque a ocasião é bovinamente oportuna: nossa amiga cigarrinha-da-espuma salta setenta vezes o seu tamanho. Mal comparando (porque a cigarrinha não dá entrevistas) é como se um Ronaldinho, de 1,75m, saltasse sobre duas estátuas da Liberdade, uma sobre a outra.
Por que ninguém condecora a cigarrinha-da-espuma? Onde estão os bombeiros, o presidente e o Galvão Bueno? Cadê o espírito olímpico, os patrocinadores e a Playboy?
Festival de gente comum. Tédio, babaquice. O negócio é tão vazio quanto as prateleiras do Ayrton Senna, herói dos heróis de si mesmo. Vou dizer uma coisa: esta gente-bicho ganha muito dinheiro, lê o Paulo Coelho (quando lê) e brota de qualquer lugar. Nada tem de especial. Se Rodrigão tivesse nascido na Itália, estaria lá nas olimpíadas do mesmo jeito, e com os mesmos 2,04m e defendendo a nação italiana, a porpeta e a pizza napolitana. A geografia é apenas um detalhe que deveria ser ignorado como as falésias, os recifes, os corais e a preferência sexual do Caetano Veloso.
E daí que os africanos são os favoritos na maratona? Qual a diferença de fulano correr nas savanas africanas e na São Silvestre, na Avenida Paulista? Por Netuno! O que o maratonista faz de tão especial? Qualquer fusca modelo 71 tem desempenho superior – e mais simpático, a meu ver. E o Oscar Schmidt? Qual a relevância do Oscar Schmidt? Vejamos: foi candidato a senador apadrinhado por Paulo Maluf (na eleição que elegeu Celso Pitta...). O que mais? Hoje em dia vende badulaques na televisão, dá “palestras” e se proclama “exemplo para a juventude” Sei, sei.
O homem passou a vida enfiando bolas numa cesta! Por todos os Deuses Olímpicos! Além disso, freqüenta o sofá da Hebe! Para a “juventude” da TFP ele quer dar exemplos... só pode ser.
Às vezes, porém, no meio de tanta ruminância aparece um Guga da vida. Sou fã incondicional do Guga – quando o garoto ganhou Roland Garros lhe ofereceram uma carona no carro de bombeiros. Sabem o que ele disse? “Só subo aí se for para apagar incêndio”.
Essa declaração serviu para suprimir os recordes, bolas encestadas, medalhas, gritarias, fanfarronices, infantilidades do Zagallo e retardamentos mentais de toda a história esportiva brasileira. Garoto lúcido, esse Guga. Não entendo como gente de talento e inteligência, como ele e o Juca Kfouri entregam-se ao esporte.
Em todo caso, Guga, ao dispensar o carro de bombeiros, varreu do mapa todas as mesas redondas e entrevistas com jogadores de futebol, calou a boca do Galvão Bueno para sempre, vingou os três títulos mundiais de Nelson Piquet e encheu de livros as prateleiras do Ayrton Senna, além de ter salvado Pelé dos parnasianismos toscos do Armando Nogueira.
Sobretudo a declaração de Guga serviu para que eu me reconciliasse com meu esporte preferido, que é encher a cara. Obrigado, Guga. Agora me sinto mais bêbado para atravessar o mês de agosto olímpico e para acompanhar o enlace de Daniela Cicarelli e Ronaldinho. Também decidi fumar o Gauloises que Camus fumava e namorar as garotas da rua Augusta sem camisinha. O Brasil precisa de gente como o Guga, torço para que ele abandone o esporte o quanto antes e volte às praias de Florianópolis. O resto é boi no pasto.

Publicado originalmente na AOL em 11/08/2004

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